Na fase em que a curiosidade aproxima o jovem das drogas, o diálogo franco é o melhor caminho para que ele entenda por que dizer "não"
"De repente, nosso grupo de amigos se junta e alguém diz 'vamos beber tequila!'. Aí, vai toda a galera. Cada um toma pelo menos um shot (dose). É normal, todo mundo bebe quando sai." A naturalidade com que Sophia*, 15 anos, se refere ao consumo de álcool não é uma exceção entre os jovens brasileiros. Segundo um levantamento do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) com estudantes de escolas públicas com idade entre 10 e 18 anos, 65,2% dos entrevistados já experimentaram bebida alcoólica. Outros 5,9% fumaram maconha e 15,5% usaram solventes, de acetona a lança-perfume. Os números não deixam dúvida: as drogas fazem parte do universo jovem. A relação com elas é constante e, por vezes, ocorre dentro dos muros da escola. Não adianta fingir que o assunto não existe - ou, o que é comum, se livrar dele pela via da expulsão. O tema exige ação.
Mas o que fazer? Pesquisas recentes têm demonstrado que apostar na repressão pura e simples não costuma dar bons resultados. Em vez disso, é melhor compreender a relação dos jovens com as drogas. Entender por que o contato com essas substâncias se intensifica na adolescência é a primeira providência.
De início, é preciso explicar que a atração pelos entorpecentes tem um forte componente biológico. A principal razão é que o chamado sistema inibitório, a área do cérebro responsável pela ponderação das atitudes, ainda está se desenvolvendo durante a adolescência. A dificuldade de dizer "não", por sua vez, abre caminho para o estímulo do sistema dopaminérgico, relacionado à busca de recompensa. As substâncias psicotrópicas agem justamente sobre essa estrutura, influenciando a produção de hormônios responsáveis pela sensação de prazer.
A equação, entretanto, não está completa. Além dos fatores fisiológicos, o ambiente em que os jovens se situam pode aproximá-los das drogas. Mas é um erro acreditar que os de famílias pobres ou "desestruturadas" são os mais propensos ao consumo. Pesquisas apontam que os maiores índices de contato com entorpecentes se dão com adolescentes das camadas médias da população.
O certo é que características típicas da faixa etária (e que independem de classe, gênero e etnia) podem, sim, levar ao consumo. A curiosidade é uma delas. O desejo de transgredir é outra, como mostra a fala de Vicente*, 16 anos (leia o destaque acima). "A proibição é tomada pelos adolescentes como uma posição autoritária, decidida por adultos que não entendem suas condições de vida. Daí vem o embate com as regras", diz Eduardo Ely Mendes Ribeiro, antropólogo e psicanalista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre.
Também é necessário ter um olhar atento para distinguir as diferentes relações que a garotada estabelece com as drogas. Muitas vezes, pais e professores tendem a classificar toda relação com entorpecentes como um vício, o que está longe de ser um retrato fiel. Há pelo menos três comportamentos: o uso esporádico (experimentação que acontece uma ou poucas vezes), o abuso (também ocasional, mas excessivo, como a atitude de beber "até cair") e o vício (esse, sim, marcado pelo uso constante. É o menos comum entre os adolescentes).
"Como são múltiplas as razões que levam ao vício - genética, ambiente e o próprio poder da substância -, não há como saber se alguém que experimenta uma droga nunca mais o fará, se fará isso de vez em quando ou sempre", explica Fernanda Gonçalves Moreira, especialista no tema e doutora em Psiquiatria pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Levar os alunos a refletir sobre essa perigosa incerteza, apontando que as consequências são para o resto da vida, é uma das maneiras de incentivar escolhas mais conscientes.
A reflexão, aliás, infelizmente não tem sido a palavra de ordem quando se fala de drogas na escola. Ao investigar o assunto em sua tese de doutorado, Fernanda descobriu que as principais intervenções são campanhas baseadas apenas na criminalização, com pouca ou nenhuma abertura ao debate franco. "Sondagens realizadas em diversos países indicam que medidas como palestras realizadas por agentes de segurança, por exemplo, têm eficácia muito reduzida na inibição ao consumo", observa.
Ação da escola não deve desconsiderar substâncias legais
Outro problema comum é certa miopia a determinadas substâncias. "A proibição de venda de álcool e cigarro para menores, por exemplo, costuma ser desconsiderada. E o discurso dos jovens com relação a essas drogas é mais liberal", afirma Ribeiro. Para ele, a escola também deve orientar para o risco de todas as substâncias, inclusive as legalmente aceitas, já que é cada vez mais comum encontrar adolescentes como Maitê*, 16 anos, que busca em remédios como as anfetaminas a solução rápida para os problemas (leia o destaque no quadro abaixo). "Por serem vendidas em farmácias e bares, essas drogas não apresentam um caráter proibitivo no imaginário dos jovens", completa o especialista.
A escola deveria prestar mais atenção nesse tipo de postura. De acordo com a pesquisa do Cebrid, 3,7% dos adolescentes declararam usar remédios controlados. Para um efeito de comparação, apenas 2,9% declaram usar cocaína. Entretanto, nas campanhas contra as drogas, ela aparece muito mais do que anfetaminas e antidepressivos, que na maioria das vezes nem sequer são mencionados. Outro erro é colocar todas as substâncias num mesmo balaio. Em vez da abordagem generalizante, uma alternativa é estimular o debate sobre cada substância: quais são seus efeitos de curto e longo prazos? Qual o poder de vício? De que forma elas estão conectadas a problemas sociais, como a criminalidade?
Expor o assunto e investir no debate sem preconceitos
Mais do que concentrar esforços no alarmismo que inibe o diálogo e trava o conhecimento sobre os efeitos das substâncias, uma estratégia mais eficiente é promover ações que ajudem o adolescente a desenvolver o seu próprio sistema inibitório. "A instituição precisa proporcionar um ambiente em que os alunos possam se colocar e não apenas receber restrições", diz Fernanda. Uma ideia é mostrar opções de vida que também proporcionem o prazer imediato, mas não sejam danosas. Conhecê-las e valorizá-las é um caminho para recusar as drogas.
Essa abertura ao diálogo, entretanto, não significa deixar de lado normas estabelecidas, como a proibição de fumar na escola. O importante é esclarecer a determinação com argumentos lógicos - no caso da nicotina, lembrando os malefícios do fumo passivo, por exemplo, que atinge mesmo quem nunca encostou num cigarro. Juntos, informação e diálogo auxiliam o combate às drogas muito mais do que as simples normas. Afinal, ajudam o jovem a desenvolver a capacidade de dizer "não" com consciência, e não apenas por medo de punição.
BIBLIOGRAFIA
Adolescência e Drogas, Ilana Pinsky e Marco Antônio Bessa (orgs.), 200 págs., Ed. Contexto, tel. (11) 3832-5838, 35 reais
Drogas, Família e Adolescência, Fernanda Gonçalves Moreira, Marcelo Niel e Dartiu Xavier da Silveira, 120 págs., Ed. Atheneu, tel. 0800-026-7753, 33,30 reais
Fonte: Revista Escola
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